Eu tinha uma concepção de sempre (ou quase sempre) consumir as obras originais que derivam filmes ou séries. Seja por análise mais próxima do que se tornou essa transposição ou até por me interessar pelo conteúdo. No caso de My Policeman, ou Meu Policial, livro da autora Berthan Roberts, foi uma mistura dos dois: o interesse de conhecer a narrativa e, ao mesmo tempo, ficar pronto para ver as divergências entre as duas histórias.

A trama se passa por dois pontos de vistas e também em dois tempos cronológicos: o passado e o presente. Aqui, temos a visão da jovem Marion e do curador de um museu Patrick Hazelwood, ambos apaixonados pelo policial da história central, Tom Burgess. A história se passa na Brighton, ao sul de Londres, na década de 50. Cada peça desse triângulo amoroso é narrada de forma tão verossímil, que muitas vezes eu me perdia na ficção achando que havia se tornado uma biografia.

Marion e Tom são um casal que anda passando por um período difícil de suas vidas e isso foi agravado quando a mulher decidiu cuidar de um velho amigo do marido após ele sofrer um derrame. Em um estado aparentemente inconsciente, Marion narra histórias ao paciente, que depende totalmente de atenção. Já Tom renega a existência do “paciente”, entrando em pequenos debates sobre o porquê dessa boa ação da esposa.

Aos poucos vamos conhecendo a fundo toda a relação que envolve esses três personagens. Ambos se apaixonaram à primeira vista por Tom, que, em plena década de 50, lutava contra seus desejos por homens. Enquanto Marion aos poucos fugia da barreira de mulher dona de casa e tinha sua independência, também enfrentava as duras de estar apaixonada por Tom. Patrick, que já tinha passado por duras perdas, estava perdidamente apaixonado por esse policial, e o sentimento aos poucos se torna recíproco.

E enquanto esse triângulo amoroso se desenvolve, onde apenas uma parte sabe da existência, conhecemos mais e mais toda a psique que envolve os personagens. Seja seu núcleo familiar, suas vidas profissionais, suas angústias e medos, e suas dores. Era um processo de mudança e, ao mesmo tempo, a sociedade era ainda mais dura do que hoje com todos os sujeitos dessa obra. Esses aspectos são demonstrados não só nossos protagonistas, mas com situações e ações de vários outros personagens que aparecem ao passar das páginas.

Enciumada da relação do seu marido com Patrick, Marion, no auge da repressão, onde amar alguém do mesmo sexo era considerado crime na Inglaterra, denuncia o curador. Na prisão, ele perde algum tempo de sua vida, além da humilhação pública. A história aqui é vista de forma tão bem escrita que, por mais que este fato em questão seja ficcional, Bertha Roberts já afirmou que se inspirou em uma história real que a deixou chocada.

Na vida real, o caso foi entre o escritor inglês E.M. Forster (1879-1970), que se apaixona justamente por um policial, Robert Buckingham, na década de 30. Tal qual a história que inspirou o filme, Forster sofreu um derrame e foi cuidado por uma figura inesperada: May Hockey, esposa de Buckingham, com quem ele casou-se enquanto tinha sentimentos e um relacionamento com o escritor. Ela se propôs a cuidar dele até o final de sua vida. A autora, imaginando como teria sido essa relação a três, criou o que se tornou Meu Policial.

De maneira sensível, natural e honesta, ela cria uma narrativa que envolve todos os que lêem, fazendo sim, uma mudança em toda a características e clichês já apresentados até ali. É a humanidade, é humano e simplesmente é a vida. Ela encontra em suas palavras, ao apresentar personagens falhos, mas ainda assim honestos, a sua própria realidade. Marion pode não ser nenhuma santa, mas está longe de ser um demônio por ações que ela teve no passado. Tal qual Patrick, que em sua mais dolorosa existência, nunca desistiu do amor e de ser quem ele era. Até Tom, em certos momentos, é entregue a essa espiral do que é certo ou errado, mas no fundo é apenas humano.

Meu Policial foi lançado em agosto de 2012, mas só chegou às livrarias brasileiras quase 10 anos depois, em fevereiro deste ano. O longa adaptado, estrelado por Emma Corrin, Harry Styles, David Dawson e Rupert Everett, já está disponível no catálogo da plataforma de streaming Prime Video.

 
 
Nota: 8.5/10
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Editora: Melhoramentos
Ano: 2022
Páginas: 280

 

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